O trabalho do sr. Luis Mario Lula como padre em Pedreiras.
Luis Mario Lula em visita ao CRESMAM |
Seria muito pretencioso de minha parte avaliar tudo
o que foi possivel
realizar em Pedreiras, de fevereiro de 1962 à dezembro de 1965. Contudo,
posso afirmar que
este período foi para mim um dos
mais ricos e importantes de minha vida,
pois permitiu de me enraizar na realidade
humana de Pedreiras, de partilhar muito mais, do que um pouco, da vida real das pessoas mais carentes e de
viver a exclusão com as pessoas mais excluidas , a saber ,«as nossas
irmãs protitutas».
Façamos um pouco de história para melhor entender o
contexto, a estratégia e as
circunstancias do meu trabalho em Pedreiras. Quando cheguei em Pedreiras, tive
a oportunidade de servir sob a orientação e os conselhos de Mons. Gerson Nunes
Freire. Não foi fácil os primeiros contatos, pois o Monsenhor Gerson era um
homem severo, justo, retraido e de pouca comunicação,
completamente oposto à minha
personalidade mas ele era um homem de grande coração e um infatigável trabalhador.
A minha primeira tarefa era de ganhar a
confiança dele pois para muita
gente, inclusive para os padres cooperadores
que me antecederam, ele era um homem
intransigente. Dificilmente ele cedia quanto às suas opiniões. Cada
começo de semana, eu deveria apresentar-lhe
um plano de trabalho. Ele olhava e cortava uma grande parte das atividades que eu
pretendia realizar. Mas isso não
era por maldade. Era uma maneira que utilizava os monsehores da época
para firmar sua
autoridade junto aos seus
cooperadores. Este jogo não durou muito
tempo comigo. Aos poucos, fui observando o que mais lhe motivava depois dos encargos religiosos.
Logo percebi que uma das atividades que mais lhe trazia prazer era
visitar, no seu «jipão », os terrenos que possuia ou que
pertenciam a paróquia, então, com muita franqueza e muito receioso lhe
propuz o seguinte
compromisso : que depois da
sua missa ele poderia
visitar, sem preocupação, os seus terrenos
enquanto eu ficaria na paróquia
durante o dia para atender as pessoas
que viessem resolver mil e
uma coisa. Caso eu não desse conta do
recado, se voltaria à maneira
anterior de funcionar. Felizmente, tudo deu certo e com o tempo fui ganhando a confiança e alargando o campo
do meu trabalho pastoral. Nesta minha caminhada, como padre em Pedreiras, alguns passos poderão
ilustrar a marca de minha ação pastoral e os momentos chaves que marcaram e contribuiram para minha
vida atual, como pessoa humana.
Um
primeiro passo foi de me
entranhar nas diferentes associações existentes na paróquia (Filhas de Maria, Coração
de Jesus, Legião de Maria, Vicentinos, etc)
para tomar conhecimento do
funcionamento de cada uma delas. Na década dos anos sessenta, graças ao
Concilio Vaticano II, uma vaga de
mudança pairava em toda Igreja. Não bastava apenas uma simples renovação no espírito e no coração de cada cristão. Era urgente criar as condições para uma verdadeira
transformação das comunidades cristãs, em suas
estruturas e nos hábitos de vida.
Diante deste desafio, eu não podia ficar indiferente e confinado a
distribuir simplesmente os sacramentos. E Deus sabe como esta
sacramentalização infantilisou e
fez dos nossos cristãos muitas vezes
meros expectadores da fé. Algo diferente
deveria brotar na comunidade de Pedreiras. Por isso é compreensível que o
meu primeiro esforço tivesse sido de procurar abrir novas fronteiras de ação para as diferentes
associações da paroquia. Elas não deveriam
mais ficar trabalhando simplesmente para o aperfeiçoamento espiritual
de cada membro. Elas poderiam tambem, sem abandonar sua própria especificidade,
tornar-se agentes de transformação
humana e social da própria comunidade na
qual viviam.
Trabalhei o terreno, plantei a semente e cheguei a regá-la. Não cabe a
mim dizer se esta semente nasceu e deu frutos. O
importante é que contribui para o bem da comunidade de Pedreiras, com os recursos que tínha na época e com a visão da realidade humana que
tenho ainda hoje.
Um
segundo passo do qual me lembro ter dado foi de abrir um espaço
ecumênico, onde todas as forcas cristãs, fossem elas de qualquer credo
religioso, pudessem comungar o pão da palavra, partilhar o amor recíproco e praticar o respeito
mútuo. Foi assim que realizei com algumas igrejas cristãs encontros ecumênicos
em praça pública para
reafirmar nossa união
no Cristo. Para mim, a tolerância é o principio da solidariedade. Como viver numa comunidade
sem a participação e a complementaridade
de cada pessoa que forma esta
comunidade? A vida só vale a pena ser
vivida quando nos sentimos como vasos comunicantes.
Um
terceiro passo foi colocar em prática
a opção que fiz pelos mais pobres. Colocar no centro de minha ação a pessoa humana e sobretudo aquelas mais excluidas. Não foi assim tão fácil me lançar nesta aventura. Apesar de ter
minhas origens na pobreza a formação
recebida no seminário foi entretanto regada por uma forte dose elitista e burguesa. A própria sociedade na
qual vivia era em si mesma
excludente, preconceituosa e misógina.
Portanto, si eu quisesse
orientar minha ação em direção das pessoas em margem da sociedade, eu teria que fazer violência comigo mesmo. Era necessario passar por um
processo de destruturação e ter coragem
de me lançar na luta pois o medo
paraliza. O medo de ser criticado, o medo de perder minha
imagem , o medo de perder o pedestal do poder e das aparências enfim
o medo de me tornar um excluido
entre os excluidos. Como consequência deste clima de medo
e de incertezas nascia em mim o
constrangimento e a angústia de não
realizar aquilo que acreditava. Para ultrapassar esta
teia de arranha foi necessário um empurrão forçando-me assim a
minha entrada no jogo da vida.
Um dos empurrões
veio da minha participação na juventude agrária católica (JAC), da qual
participei ativamente e onde se aprendia
a descobrir os problemas existentes (VER), a diagnosticar suas causas, seus pontos positivos e
negativos (JULGAR) e a encontrar os meios de soluções
necessários (AGIR). A JAC foi
uma verdadeira escola de vida
para muita gente do meio rural de
Pedreiras. Os mais antigos devem
se recordar deste meio poderoso
de formação cristã, humana e social.
Um
outro impulso recebido foi do contato
que tive com as associações sindicais
de diferentes meios de trabalho. Ao
encontro destas pessoas ligadas e inseridas numa realidade dura e cruel do mundo do trabalho, fui descobrindo aos pouco o rosto da miséria, da
descriminação e da servidão. Para mim, a descoberta desta realidade abria
mais minha mente e o meu coração para acolher outras realidades ainda
mais cruéis e inaceitaveis no plano cristão e humano. Foi justamente, em 1963,
após ter realizado três dias de
encontros com os membros do sindicato
dos arrumadores, na rua da Independência, que uma jovem me lançou
o seguinte desafio : «Porque o senhor não faz a mesma coisa com a gente»? Foi aí, neste momento, que recebi não um
empurrão e sim um ponta pé e um grande apelo
para tambem ir ao encontro das
pessoas mais excluidas entre os
excluidos, as mulheres mais marginalizadas, as minhas irmãs prostitutas. Un novo caminho se abria então na minha vida no qual continuo a trilhar até hoje com a mesma convicção e com a mesma esperança. Como diz Chico
Buarque na canção «Sonho
impossível» :…« e assim , seja là como for, vai ter fim a infinita aflição
e o mundo vai ver uma flor brotar do impossível chão!»
1 comentários:
Feliz iniciativa de apresentar o trabalho de Mário Lula como Padre em Pedreiras.
Interessante o meio utilizado para ganhar a confiança de Monsenhor Gerson e assim poder alargar o campo de trabalho pastoral.
Mário tinha consciência de que o amor é a mensagem cristã por excelência,é vida.Com os olhos da fé se compromete e confirma não somente por palavras, mas por gestos participando ativamente nas associações existentes na paróquia.
Vi no texto a força,a coragem do jovem Padre na opção aos pobres de preferência àquelas que a sociedade exclue: as prostitutas.
A verdadeira fé leva à comunhão e à participação tornando possível as coisas impossíveis.
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