Como surgiu a ideia do CRESMAM
Imagens mostram a construção do CRESMAM. |
O desejo de fazer alguma coisa pelas prostitutas é algo que começou na minha adolescência, como seminarista. Ao leito de morte de uma tia materna, ela mesma vítima da prostituição, eu prometi à mim mesmo de que um dia eu faria qualquer coisa pelas prostitutas. Este foi o meu primeiro engajamento. Um sonho de adolescente que um dia se tornou realidade, em Pedreiras. Chegando em Pedreias, em 1962, depois de nove meses como padre, observei imediatamente que havia alí um campo imenso onde poderia realizar o meu sonho de adolescente. Os dias se passavam e as notícias que eu ouvia na cidade eram sempre as mesmas e as mais alarmantes a respeito da vida da mulheres da ‘zona’. Algumas se suicidavam, outras eram assasinadas, muitas vezes outras sofriam espancamentos, enfim, o meio onde viviam estas mulheres era um verdadeiro inferno. Diante desta realidade cruel, eu, como padre recente na paróquia, ficava pensando como seria possível agir diante de tanto sofrimento, de tanta disciminação, injustiça e exclusão. Eu deveria ou não me lançar logo na luta ou esperar uma oportunidade? Já completava mais de um ano que tinha chegado, em Pedreiras. O tempo urgia. Em abril de 63, fui convidado pelo presidente do Sindicato dos Arrumadores, para fazer três dias de palestras na sede do sindicato, situado na rua da Independencia, em preparação para a celebração do dia do Trabalho. No primeiro dia, observei que uma jovem, debruçada sobre a janela, escutava atentamente as minhas palavras. Quem seria esta jovem tão interessada? Na minha mente outras interrogações se faziam. Por que sua presença alí? No segundo dia se repetiu a mesma coisa. A jovem se encontrava no mesmo lugar. Ao terminar minha palestra no terceiro dia, ao sair da sede do sindicato, a dita jovem me interpela: ‘Por que o senhor não faz a mesma coisa com a gente?’ Então, eu lhe perguntei: quem é essa gente? Ela me respondeu, são as prostitutas. Eu, sem saber o que lhe responder, um pouco surpreendido com o convite, fiz-lhe a seguinte proposição: ‘convide as mulheres e quando tudo estiver certo me procure’.
Com
esta resposta tinha quase certeza de que a jovem não daria continuação à sua iniciativa e ao mesmo tempo eu me saia,
de mansinho, desta boca quente. Mas voltando para casa, eu me perguntava a mim
mesmo, não seria a hora de realizar o meu compromisso? O medo fez com que eu me
calasse e deixasse a realização do meu sonho
para mais tarde. Mas o tiro saiu
pela culatra.
Uma
semana mais tarde, a jovem vem à casa paroquial e me diz : ‘as mulheres estão
lhe esperando na sede do sindicato.’ Respondi-lhe um pouco surpreso: ‘o que?’
Não marquei nenhum encontro. A jovem me respondeu: ‘o senhor me disse que convidasse as mulheres, foi o que fiz. Agora,
o senhor não pode recuar.’
Então,
sem saber o que faria e o que diria às mulheres presentes, levei comigo a Biblia pensando em ler e comentar para elas a parábola do filho pródigo. Quando
entrei na sede do sindicato, a surpreza foi maior do que esperava. A sala estava
repleta com a presença de 86 mulheres. Foi para mim um imenso choque emocional
e ao mesmo tempo, o meu primeiro contato com um mundo do qual eu ouvia falar
mas por mim desconhecido totalmente. Com este impacto, a parábola do filho
pródigo ficou de lado. Diante destas mulheres que nunca tiveram voz e nem vez de falar, a
unica coisa que me cabia fazer, naquele momento, era me calar e ouví-las.
Então, eu me dirigi à todas elas e lhes disse: ‘certamente vocês ficarão
decepcionadas comigo, eu não tenho nada à dizer à vocês, mas sei que vocês têm
muita coisa à dizer. Então, o que poderiamos fazer juntos?’ Logo, várias mãos se
elevaram. Umas diziam que queriam aprender a ler e a escrever. Outras
manifestaram o desejo de aprender uma profissão. Outras falaram das condições
de vida que levavam e do desejo de deixar este tipo de vida. Diante das várias
necessidades expressas, decidimos em conjunto de que o primeiro passo a dar
seria começar pelo começo, isto é, a
alfabetização. A partir deste momento, a
semente da qual brotaria o Cresmam era
lançada. Não perdemos tempo. Logo na missa do domingo, eu falei na minha
homilia sobre a necessidade de ir o encontro das mulheres mais desacreditadas, exploradas e excluídas da sociedade
Pedreirense. Fiz um apelo às mulheres de boa vontade para que me ajudassem nesta
nova caminhada. O apelo foi atendido por um pequeno grupo que muito contribuiu
não só fazendo uma sondagem junto às mulheres que estariam prontas à serem
alfabetisadas mas tambem sendo as prioneiras da alfabetisação destas mulheres.
Foi assim que no dia 27 de maio de 1963 era
fundado a instituição Cresmam. Sua história é regada pelo sofrimento,
pelo engajamento, pela esperança e pelo amor de muitas mulheres que continuam
ainda lutando e outras que já se foram. Quase às vésperas do seu
cinqüentenário, faço um apêlo à
toda comunidade de Pedreiras, às
suas forças vivas, sejam públicas ou particulares que unam as suas energias ao
esforço do Cresmam, no interesse do bem comum, sobretudo em relação à educação,
ao desenvolvimento social e ao bem-estar da mulher marginalizada.
Continuamos
acreditar que a experiencia vivida pelo Cresmam durante todo este seu percurso
constitue uma prova evidente de que poderemos realizar muita coisa humanamente
extraordinária com poucos meios financeiros e humanos. Ele é para toda a
comunidade de Pedreiras um exemplo de implicação e dedicação. Uma prova de coragem e paciência. Um modelo de tenacidade
e de desafio. Ainda mais reconhecemos que o Cresmam tem sido um instrumento
válido de resgate e de auto-estima, de reconquista da dignidade e de luta pelos
direitos à vida, à liberdade e à segurança das mulheres mais
frágeis e marginalizadas da comunidade de Pedreiras.
Concluindo, aproveito a oportunidade para render
uma homenagem especial a todas as
mulheres que atualmente participam da vida do
Cresmam (a atual diretoria e muitas outras pessoas que procuram dar uma
maior visibilidae ao trabalho) e àquelas que puseram as primeiras pedras deste
edificio de solidariedade humana e finalmente a todas as mulheres que passaram
por lá, vencendo o discrédito, a indiferença e os preconceitos. São elas que,
com coragem e paciência, fizeram caminho onde não havia caminho. São elas as
verdadeiras construtoras de uma nova esperança de um novo itinerário que ainda,
juntos, deveremos percorrer. ‘Um sonho que se sonha é apenas um sonho. Um sonho
que se sonha junto é realidade’. (Raul Seixas)
0 comentários:
Postar um comentário